A Grécia no beco europeu
(Daniel
Oliveira in Expresso Diário, 16/06/2015)

Quando se quer muito
determinada coisa é difícil que os factos nos convençam do contrário. E há quem
queira muito que a Grécia tenha um de dois destinos: ou a rutura ou a
capitulação. E querem que isso aconteça de tal forma que fique provada a
irresponsabilidade dos compromissos de Alexis Tsipras com o seu povo. É por
isso fundamental passar a ideia que, nas negociações em curso, os gregos estão
a ser pouco razoáveis.
Na realidade, até
podiam ser razoáveis que a conclusão desejada se mantinha: o que eles queriam
não era possível, mesmo que fosse aceitável, porque a Europa e os credores não
querem. Por isso o melhor é comer e calar. Mas não tem a mesma força do que
continuar a passar a ideia de que os gregos são irresponsáveis e radicais,
assim como todos os que se atrevam a pôr em causa “a paz dos credores”.
Qualquer pessoa que
esteja a acompanhar o que tem sido o massacre social e económico a que a Grécia
foi sujeita nos últimos seis anos compreende que acrescentar a tudo o que já
foi feito mais dois mil milhões de euros de austeridade anual é uma total
irresponsabilidade. O que não resultou até aqui não vai passar a resultar pela
insistência.
A IRRESPONSABILIDADE DOS ESTADOS QUE QUEREM QUE A
GRÉCIA SIRVA DE VACINA PARA OS RESTANTES POVOS REBELDES, SAINDO DO EURO OU
ENTRANDO EM CRISE, ASSOCIADA À INCAPACIDADE POLÍTICA DO FRANKENSTEIN EM QUE SE
TRANSFORMOU A UNIÃO, ESTÁ A LEVAR AS NEGOCIAÇÕES PARA UM ABISMO
Quando foi imposto o
primeiro plano de austeridade, a troika previu que a economia grega voltaria a
crescer 1,1% em 2012. Conseguiu uma recessão de 7% do PIB em 2010 e coisa
parecida em 2011. O crescimento, insignificante (0,7%), aconteceu apenas em
2014, depois de anos de destruição económica cujos efeitos perdurarão por muito
tempo. Um quarto da população ficou desempregada, 11% acima do que a troika
previa.
Apesar dos sucessivos cortes no Estado e no défice, a dívida não parou
de crescer. Em 2009, a dívida grega era de 115% do PIB. Em 2014, depois de duas
reestruturações, estava nos 177%. Só mesmo o alívio geral dos juros, em meados
de 2014, graças ao efeito Draghi (também sentimos o seu efeito), permitiu aos
gregos respirar e verem cair as taxas de juro de 30% para 5%. Mas o país
continua a ser um caco.
Quando o Syriza chegou
ao poder propôs-se responder à autêntica emergência social que herdou e
concentrar o esforço de racionalização das finanças do Estado no combate à
corrupção e à fuga ao fisco (um verdadeiro cancro nacional). Seria de esperar
que, para isso, contasse com o apoio dos parceiros europeus. A resposta
burocrática foi simples: mais impostos, mais cortes, mais austeridade. E
reformas estruturais. Não destas, que realmente contariam. Daquelas que
permitiram vender meio país.
Segundo o “Frankfurter
Allgemeine”, citando uma fonte das negociações, os gregos terão proposto trocar
os 400 milhões de euros que os credores querem ir buscar às pensões por um
corte igual nas suas despesas militares. A Grécia é, depois de França e logo
antes do Reino Unido (duas potências militares), o segundo país da União que
mais gasta, em percentagem do PIB, com as suas Forças Armadas. O dobro da
Alemanha, Holanda, Bélgica, Espanha ou Hungria. Mesmo assim, o FMI teria
recusado a proposta. A notícia foi obviamente desmentida pelos credores, mas
ela, que de alguma forma corresponde a um debate que esteve em cima da mesa,
traduz o pensamento geral da troika: nada pode fugir de um guião já escrito,
por mais absurdo que ele seja.
Mesmo que já todos
tenham reconhecido que a austeridade não resultou na Grécia, mesmo que, por
duas vezes, por causa desse falhanço, a crescente dívida grega tenha sido
reestruturada, a União Europeia e os credores institucionais que, há seis anos,
resgataram a banca francesa e alemã exposta à dívida grega estão presos na sua
própria trama infernal. Andam às voltas para nunca sair do mesmo lugar.
A irresponsabilidade dos Estados que querem que a
Grécia sirva de vacina para os restantes povos rebeldes, saindo do euro ou
entrando em crise, associada à incapacidade política do Frankenstein em que se
transformou a União, está a levar as negociações para um abismo. O que a Europa
propõe à Grécia é que escolha entre a morte lenta, através da continuação de
medidas que já provaram não funcionar, transformam num país inviável e impedem
a sobrevivência de qualquer governo, ou a rutura com a União e com o euro.
Infelizmente não posso dizer que os poderes europeus serão responsabilizados
pelas consequências da sua teimosia. Eles não dependem do voto. E talvez isso
explique porque é que estamos no estado em que estamos.
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