A ESPERA MAIS TRISTE DE ATENAS
(Joana Pereira Bastos, in Expresso Diário, 03/07/2015)
No centro da capital grega há uma fila bem mais comprida do que a de qualquer multibanco. É lá que todos os dias mais de 400 pessoas esperam por comida.
Perto da Avenida Piréus, uma das principais
artérias do centro de Atenas, há uma fila de pessoas que se prolonga ao longo
da rua, por vários metros. Apesar de andar rapidamente, parece nunca encurtar.
Assim que alguém sai, há mais alguém que se põe à espera.
No início da fila, não há qualquer caixa
multibanco. O objetivo não é levantar dinheiro. As pessoas que aguardam na
bicha, de olhos pregados no chão, não têm nenhum. O que elas têm é fome.
Ajudado por três jovens, um padre ortodoxo,
vestido com uma batina preta até aos pés, apressa-se a dar a cada uma um saco
de plástico com um pão e uma sopa embalada. O processo é muito rápido. Não há
tempo para grandes conversas. Passa do meio-dia e a grande maioria dos que
esperam não come nada desde as cinco da tarde do dia anterior, a hora a que
lhes foi distribuído um lanche – a última das duas únicas, e pequenas,
refeições do dia.
Só aqui, nesta “sopa dos pobres” gerida
pela Igreja com o apoio da Câmara Municipal de Atenas, mais de 400 pessoas vão
buscar comida diariamente. Mas, espalhados pela cidade, há vários outros pontos
de distribuição de alimentos e algumas cantinas sociais, entre as quais uma
criada pelo Syriza. A maioria abriu nos últimos anos, com a chegada da crise e
o aumento repentino da miséria e da fome.
O PIB da Grécia recuou 25% só desde 2010.
Cinco anos após o pedido de assistência financeira, e outros tantos pacotes de
austeridade depois, há agora 30% de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza
e 17% da população a depender da ajuda alimentar.
Segundo um estudo da Universidade de Creta
publicado no início do ano, quase 18 mil pessoas perderam a casa, só em Atenas,
e vivem agora em carros, tendas ou quartos alugados em pensões. Fora as que
dormem na rua.
Na fila da “sopa dos pobres” há muitos
sem-abrigo, mas também há os que ainda têm casa e, para a conseguir pagar,
deixaram de ter dinheiro para comer, conta ao Expresso um dos funcionários.
A grande maioria não aceita falar. Olha
para o chão ou desvia a cara quando se aproxima um jornalista. “Alguns até são
agressivos quando veem uma câmara de televisão. Estão cansados”, adianta o
voluntário. Cansados de repórteres que nesta altura, como há cinco meses quando
se realizaram as eleições, encheram a cidade. Cansados de estar nas bocas do
mundo e de explicar como perderam o que tinham e chegaram até aqui.
Só os imigrantes não parecem importar-se em
prestar declarações. Estão no fim da linha, são os mais pobres de entre os
pobres. “Não temos trabalho, não temos onde dormir, não temos o que comer, não
temos direito a voto, nem a mais nada”, conta um iraquiano de 35 anos, há dez a
viver em Atenas.
“Ninguém quer ficar aqui. Viemos só para
entrar na Europa e conseguir partir para um país mais rico, mas acabámos por ficar
presos na Grécia, sem dinheiro para conseguir atravessar a fronteira”, conta,
enquanto aguarda a sua vez para receber um bocado de pão.
Atrás de si, a bicha dos que vão buscar
comida continua a aumentar. Entre o meio-dia e a uma da tarde, todos os dias,
prolonga-se por vários metros, ocupando toda a rua. É bem mais comprida do que
a fila de qualquer multibanco. É a espera mais triste de Atenas.
Fonte: A Estátua de Sal
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